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Política

Câmara derruba vetos de Lula ao licenciamento ambiental e contraria alertas de especialistas

27 de novembro de 20258 min de leitura

Câmara derruba vetos de Lula ao licenciamento ambiental e contraria alertas de especialistas
Fonte: Foto: Carlos Moura / Agência Senado
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Câmara e Senado impuseram, nesta quinta-feira (27), uma das maiores derrotas do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva ao derrubar a maior parte dos vetos presidenciais à Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Ao todo, parlamentares rejeitaram 56 dos 63 vetos feitos pelo governo ao texto aprovado pelo Congresso em agosto, restaurando dispositivos que flexibilizam regras para obras de infraestrutura, energia, agronegócio e saneamento.

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A decisão, tomada em sessão conjunta do Congresso, vai na contramão de alertas feitos por especialistas, organizações socioambientais e pelo próprio governo, que classificavam os dispositivos barrados por Lula como inconstitucionais, geradores de insegurança jurídica e de “retrocesso histórico” na política ambiental brasileira.

Na Câmara, a derrubada dos vetos contou com 295 votos a favor e 167 contra, número bem acima do mínimo necessário de 257 deputados. No Senado, dispositivos centrais também passaram com folga, com ao menos 50 votos pela rejeição dos vetos em pontos-chave do texto.

O que está em jogo na Lei do Licenciamento Ambiental

A Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei 15.190/2025) nasceu a partir do Projeto de Lei 2.159/21, que tramita há mais de duas décadas no Congresso. O objetivo declarado é unificar regras hoje espalhadas em normas federais, estaduais e municipais, estabelecendo sete tipos de licença e listas de atividades que podem ter processos simplificados ou até serem dispensadas de licenciamento.

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Ao sancionar a lei, em agosto, Lula vetou 63 de cerca de 400 dispositivos aprovados pelos parlamentares, atendendo a pareceres do Ministério do Meio Ambiente, da área jurídica do governo e de organizações como o Observatório do Clima. Os vetos miravam, principalmente, trechos que ampliavam demais licenças simplificadas, reduziam proteção a biomas sensíveis e esvaziavam a obrigação de consulta a povos indígenas e comunidades tradicionais.

Quais vetos de Lula foram derrubados

Com a votação desta quinta, deputados e senadores retomaram pontos que especialistas consideram os mais problemáticos do texto. Entre os principais dispositivos que voltam a valer estão:

  1. Licenciamento autodeclaratório para obras de médio impacto

Foi restabelecida a possibilidade de empreendimentos de médio porte e de baixo ou médio potencial poluidor obterem licença por um processo de adesão e compromisso (a chamada LAC, Licença por Adesão e Compromisso). Na prática, o empreendedor preenche um formulário, declara cumprir requisitos e recebe a licença sem passar pelo rito tradicional de análise caso a caso pelos órgãos ambientais.

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Esse modelo já existe em alguns estados, mas restrito a atividades de baixo impacto. Estudos técnicos e decisões anteriores do STF apontam risco de inconstitucionalidade quando a autodeclaração é ampliada para obras de maior porte.

  1. Flexibilização da proteção à Mata Atlântica

O Congresso derrubou vetos que mantinham uma camada extra de proteção à Mata Atlântica. Assim, volta a valer um dispositivo que permite suprimir áreas de vegetação mais madura sem a mesma exigência de análise prévia reforçada, o que atende a demandas da bancada ruralista e de parte do setor imobiliário. Ambientalistas alertam que, em um bioma do qual restam cerca de 24% da cobertura original, qualquer flexibilização tende a acelerar o desmatamento e fragmentar ainda mais a floresta.

  1. Autonomia ampliada de estados e municípios

Outro veto revertido devolve a estados e municípios a possibilidade de definir, por conta própria, quais atividades precisam de licença ambiental e como classificar o potencial poluidor de cada empreendimento. Na avaliação do governo, isso esvazia a competência da União para estabelecer diretrizes nacionais e pode criar um mosaico de regras mais frágeis em regiões pressionadas por empreendimentos de alto impacto.

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  1. Licenciamento prioritário para obras de “segurança energética” e saneamento

Parlamentares também derrubaram o veto a trechos que determinam prioridade e rito mais simples para projetos classificados como de “segurança energética” e para obras de saneamento básico. Em alguns casos, esses dispositivos permitem dispensar estudos mais aprofundados de impacto ambiental, desde que certas condições sejam declaradas pelo empreendedor.

  1. Redução de garantias a povos indígenas e quilombolas

Foram rejeitados vetos que garantiam, de forma mais clara, a consulta prévia, livre e informada a povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais em empreendimentos que afetem seus territórios — um ponto sensível em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Com a derrubada, especialistas avaliam que cresce o risco de conflitos, judicialização e violação de direitos.

Por que especialistas dizem que a decisão é um retrocesso

Organizações como o Observatório do Clima e redes de entidades socioambientais vinham classificando a derrubada dos vetos como o pior retrocesso ambiental desde a aprovação do novo Código Florestal. Notas técnicas alertam para a combinação de três fatores: ampliação do licenciamento autodeclaratório, afrouxamento da proteção de biomas sensíveis e perda de coordenação nacional das regras.

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Na prática, a avaliação desses especialistas é que:

  1. mais tipos de obras poderão ser licenciadas de forma simplificada, sem análise caso a caso dos órgãos ambientais;
  2. empreendedores terão incentivo para buscar estados e municípios com regras mais permissivas, o que pode gerar uma “corrida ao fundo do poço” regulatório;
  3. cresce o risco de repetição de tragédias como rompimentos de barragens, enchentes e deslizamentos, caso obras de infraestrutura sejam aprovadas com estudos insuficientes.

Relatórios e manifestações divulgados antes da votação destacavam que a queda dos vetos contraria recomendações de cientistas, de entidades de defesa de direitos humanos e até de órgãos técnicos do próprio governo. Uma das notas citadas pelo Planalto falava em “danos irreversíveis ao clima e aos ecossistemas” se o texto original do Congresso fosse restaurado integralmente.

Contradição com o discurso do Brasil na COP30

A sessão do Congresso ocorreu apenas seis dias após o encerramento da COP30, conferência da ONU sobre o clima realizada em Belém. Durante o encontro, o governo brasileiro buscou se apresentar como liderança global no combate ao desmatamento e na transição para uma economia de baixo carbono.

Dirigentes do PT e lideranças ambientalistas classificaram o resultado como “contraditório” com o esforço diplomático do país. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, afirmou que a derrubada dos vetos “contradiz o esforço do governo na COP30” e fragiliza o discurso de que o Brasil está fortalecimento sua legislação ambiental, justamente no momento em que tenta atrair investimentos verdes.

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O que diz o governo Lula

Antes da votação, o Planalto divulgou nota pedindo a manutenção dos vetos e lembrando exemplos recentes de desastres ambientais no país, como as tragédias de Mariana e Brumadinho e os eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul e em outros estados. Para o governo, a função do licenciamento é justamente evitar que riscos conhecidos se repitam, e os trechos barrados por Lula eram necessários para garantir “proteção do meio ambiente, dos direitos das populações originárias e segurança jurídica para investidores”.

A área ambiental do governo também argumenta que, sem vetos, a lei abre espaço para que obras com “risco relevante” ao meio ambiente usem procedimentos simplificados pensados originalmente para empreendimentos de baixo impacto, o que pode esvaziar a capacidade de fiscalização e de imposição de condicionantes.

Como o Congresso justifica a derrubada dos vetos

De outro lado, parlamentares do chamado centrão e da bancada ruralista defendem que o antigo modelo de licenciamento é moroso, burocrático e imprevisível, travando obras de infraestrutura, energia, mineração e agronegócio. Para esse grupo, a nova lei — com os vetos derrubados — dá mais previsibilidade aos investidores, reforça a autonomia de estados e municípios e cria instrumentos para destravar projetos considerados estratégicos, como rodovias, linhas de transmissão e usinas.

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Líderes da base governista reconhecem a derrota e apontam que o governo chegou fraco à votação, após semanas de desgaste na relação com o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, e com parte dos aliados no Legislativo. Analistas também destacam que a sessão foi usada por congressistas para enviar um recado diante de outras pautas sensíveis, como orçamento e indicações para o STF.

Impacto prático para obras e meio ambiente

Na prática, a derrubada dos vetos significa que:

  1. mais empreendimentos poderão ser enquadrados em categorias de licenciamento simplificado ou autodeclaratório;
  2. estados e municípios terão margem maior para afrouxar exigências, inclusive em áreas de pressão sobre a Mata Atlântica e outros biomas;
  3. a proteção especial a determinados territórios e populações fica mais dependente de decisões locais e de ações judiciais;
  4. cresce a expectativa de disputas no STF sobre a constitucionalidade de pontos como o licenciamento autodeclaratório para obras de médio impacto.

Especialistas ouvidos por organizações ambientais avaliam que o efeito mais visível tende a aparecer no médio prazo, à medida que novos projetos de infraestrutura, energia e mineração passem a ser licenciados sob as novas regras. A preocupação é que mudanças feitas agora tenham “efeitos imediatos e de difícil reversão”, sobretudo em biomas fragilizados e regiões já sujeitas a eventos extremos.

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O que ainda pode mudar

Embora a maior parte dos vetos já tenha sido derrubada, ainda há dispositivos em análise, fruto de destaques apresentados por partidos da base governista e de oposição. Paralelamente, o governo editou medidas provisórias para regular pontos específicos do licenciamento, que também precisam ser votadas pelo Congresso nas próximas semanas para não perderem a validade.

Organizações socioambientais e integrantes do próprio governo já falam em recorrer ao Supremo Tribunal Federal para tentar derrubar trechos considerados inconstitucionais. O próximo capítulo dessa disputa deve se dar tanto no Judiciário quanto na regulamentação infralegal da nova lei, em normas complementares e resoluções dos órgãos ambientais.

Publicado por Redação Trendahora Política